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CHEQUE: a diferença entre a inexistência de fundos e a insuficiência de fundos.

  • Walter A. Moraes Jr.
  • 11 de mai. de 2018
  • 5 min de leitura


Quem nunca, não é verdade, se viu na situação de ter um cheque devolvido, seja na qualidade de credor ou de devedor do título?


Ocorre que em evidente desrespeito às regras contidas na Lei 7.357/85 as instituições bancárias devolvem todo e qualquer cheque apresentado para compensação e que não possua saldo suficiente para a integral quitação do mesmo.


Desrespeito, porque a postura adotada pelos citados bancos causa a falsa impressão que o correntista emitente do título não teria qualquer valor disponível em sua conta para adimplir a obrigação, o que, muitas das vezes, não é verdade. É que a própria Lei do Cheque, em seu artigo 38, parágrafo único, ao dizer que o portador não pode recusar o pagamento parcial, permite, por analogia e igualdade de condições, que o portador exija que lhe seja pago o cheque pelo valor disponível, no ato da apresentação, na conta do emitente.


O próprio dispositivo legal citado prevê que, pretendido o pagamento parcial por parte do banco, e o qual não pode ser recusado pelo portador, se proceda com a respectiva quitação, pelo valor pago, mediante recibo constante do próprio cheque.


Nunca é demais lembrar que, sendo título de crédito, toda e qualquer inscrição constante do cheque passa a integrá-lo.


Vejamos a seguinte situação: João emite em favor de José um cheque no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para pagamento à vista. Apresentado ao banco para a devida compensação, imaginemos que João não dispusesse dos R$ 1.000,00 em sua conta, mas apenas, R$ 600,00 (seiscentos reais).


Pela redação do artigo 38 da Lei 7.357/85, o banco poderia (e deveria) imediatamente informar a situação ao portador (José) e pagá-lo a quantia disponível, ou seja, R$ 600,00, constando tal informação no corpo do cheque (verso ou anverso), com o que não poderia discordar José, passando ao banco o competente recibo sobre a quantia paga.


Remanesceria o crédito de José sobre a quantia restante, a qual poderia ser cobrada, com juros e correção, pelos meios legais.


Vamos além. Entendemos que, dentro do prazo de apresentação poderia o portador retornar ao banco a qualquer tempo e, havendo na conta do emitente saldo disponível, total ou parcial, exigir a complementação de seu crédito.


Por se tratar de expressa permissão legal, entende-se, ainda, que havendo por parte do portador a obrigação de aceitar a oferta do banco neste sentido (receber parcialmente o cheque), igualmente poderia exigir do banco o pagamento parcial de cheque que ele, o portador, apresentasse para compensação.


Ocorre que, por razões obscuras, os bancos não procedem com tal oferta, nem mesmo aceitam a exigência do portador de ver satisfeito o seu crédito, mesmo que de forma parcial.


Sustentam que qualquer oferta bancária no sentido de disponibilizar a quitação parcial implicaria em indiscrição quanto ao correntista e quebra do sigilo bancário.


Discordamos e discordamos muito deste posicionamento. Ora, qualquer que seja a situação que envolva o pagamento do cheque, está havendo a autorizada quebra parcial do sigilo bancário do correntista, afinal, se não houve por parte do mesmo a contra-ordem ou sustação, este expressamente autorizou o banco sacado a informar, até o valor do cheque, qual o saldo disponível em sua conta bancária.


Assim , voltando ao exemplo de João e José já relatado anteriormente, se o banco paga o valor integral de R$ 1.000,00, informa ao portador que o correntista possui ao menos R$ 1.000,00 em sua conta. Se procede com a oferta de quitação parcial no valor de R$ 600,00 disponível na conta, informa que existe este valor em específico na conta, naquele momento. E se, finalmente, procede como hoje impera, com a devolução do cheque, está também quebrando o sigilo bancário do correntista por dizer implicitamente que o mesmo não possui os R$ 1.000,00 disponíveis na conta.


Ocorre que esta prática corriqueira dos bancos acaba por causar imenso constrangimento e prejuízo aos emitentes pois cria contra os mesmos a falsa impressão de total indisponibilidade de recursos.


Imaginemos o caso, por exemplo, de um cheque devolvido por falta de parcela ínfima da quantia inscrita no título, quando faltarem dez, cinco ou mesmo um real para quitar um título de mil reais. O portador restará frustrado de receber a quase totalidade de seu título e ainda, sem saber da quantia que poderia receber parcialmente, fica com a impressão de que o emitente não possui qualquer valor em sua conta para quitar a obrigação.


Inegável que para o emitente o pagamento parcial implica em situação muito mais vantajosa, pois o ônus de arcar com multas e juros incidiriam apenas com relação à parcela inadimplida, e não sobre a totalidade do título.


De igual modo, coobrigados (avalista e endossantes) teriam sua obrigação acessória diminuída ao valor equivalente tão somente ao saldo ainda por quitar, e não sobre o valor cheio do cheque.


Percebe-e, portanto, que a lei é bem clara em disponibilizar a possibilidade de exigência, pelo portador, de pagamento parcial do cheque, pelo saldo disponível na data de apresentação, ante a análise literal e extensiva o contido no artigo 38, caput e parágrafo único da Lei 7.357/85, que assim ensina:


Art . 38 O sacado pode exigir, ao pagar o cheque, que este lhe seja entregue quitado pelo portador.


Parágrafo único. O portador não pode recusar pagamento parcial, e, nesse caso, o sacado pode exigir que esse pagamento conste do cheque e que o portador lhe dê a respectiva quitação.


Inegável, pois, a expressa previsão legal para adoção da solução a inúmeros casos de inadimplemento de cheques, que teriam suas estatísticas negativas consideravelmente reduzidas e o judiciário desafogado pela diminuição de casos de execução ou cobrança de títulos desta natureza. Trata-se de mero exercício de lógica, pois, em sendo portador de título no valor de mil, tenho direito de receber qualquer valor inferior a este, remanescendo o crédito restante para recebimento futuro, pois “in eo quod plus est semper inest et minus” (quem pode o mais, pode o menos).


Ante a injustificada negativa dos bancos em fazer valer tal regra, e diante da inegável repercussão que a adoção de tal prática poderia ter na economia, tramita na Câmara dos Deputados, já a mais de 10 anos, o projeto de Lei nº 388/2007, que busca regulamentar a medida e determinar aos bancos o pagamento parcial do cheques.


De acordo com a proposta, o descumprimento da regra sujeitaria as instituições financeiras e seus dirigentes a penalidades previstas na Lei 4595/64, que regula o sistema financeiro nacional. As penas são: advertência; multa; inabilitação para o exercício de cargos de direção em instituições financeiras; cassação da autorização de funcionamento da instituição; detenção; e reclusão de um a quatro anos.


Atualmente o projeto se encontra apensado ao PL 1029/01, que busca regulamentar a figura do cheque pré-datado, proibindo a apresentação dos mesmos antes da data prevista para pagamento.


Ambas as propostas foram arquivadas, sem a devida análise em plenário, tendo sido desarquivadas em 2015.


Alguém aí crê que serão, tão cedo, levadas a votação?


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